Ae Galera,
uma reportagem veiculada na Revista EXAME nº 927 de 24/09/08, boa leitura.Quero ser neutro
Como um grupo (ainda restrito) de empresas brasileiras está assumindo o desafio de calcular e compensar suas emissões de gases de efeito estufa
Por Ana Luiza Herzog EXAME 18.09.2008
Em março de 2007, a fabricante de cosméticos Natura lançou um projeto piloto em Recife que mudou a rotina de 15% das consultoras que atuam nessa cidade. A companhia pediu que, a partir daquele momento, cada vez que uma delas fizesse uma entrega a um cliente, aproveitasse a oportunidade para recolher embalagens usadas de produtos da marca. O destino de todo o lixo seria a reciclagem — no ano passado foram recolhidas 90 toneladas. Por enquanto, a iniciativa, que também abrange algumas regiões da capital paulista, é apenas um teste para um projeto mais arrojado, um abrangente programa de logística reversa para tentar reduzir as emissões de gases de efeito estufa da companhia. Se não fossem coletadas, as embalagens poderiam acabar se decompondo em algum aterro sanitário e se transformariam em gases que causam o aquecimento global. “O objetivo é que esse programa cresça e faça parte do cálculo das reduções de emissões da empresa num futuro próximo”, afirma Daniel Gonzaga, diretor de pesquisa e tecnologia da Natura.
Em tempos em que se discute exaustivamente o aquecimento global, encontrar maneiras de reduzir as emissões de gases de efeito estufa tornou-se uma obsessão comum a muitas empresas. Nos países europeus, esse empenho deve-se em grande medida ao fato de muitos deles serem signatários do Protocolo de Kyoto, que estabelece metas para a redução das emissões para as nações desenvolvidas. No Brasil, que pelo protocolo está isento da responsabilidade de reduzir a emissão de gases, as iniciativas são voluntárias (normalmente movidas por ideologia ou pelo anseio de polir a imagem). Por causa disso, o que será incluído no balanço de emissões de cada empresa é totalmente arbitrário — decisão que cada companhia pode tomar sozinha ou com a assessoria de uma das poucas consultorias especializadas existentes no país. Nesse levantamento podem ser levados em consideração itens tão diversos quanto o consumo de energias não-renováveis (como o carvão) numa fábrica ou o combustível gasto em viagens feitas por executivos. O mais comum é que as empresas inicialmente façam inventários restritos — por exemplo, as emissões geradas apenas na sede da companhia — e, aos poucos, aumentem o escopo do cálculo — incluindo o conjunto de operações.
O Bradesco, por exemplo, considerou apenas as emissões provocadas pela sede em seu primeiro inventário, em 2006 — do consumo de gás no refeitório ao gasto de combustível da frota de automóveis. No ano seguinte, o banco decidiu incluir no levantamento suas 3 000 agências espalhadas pelo país, além das outras três empresas do grupo, a Finasa, a Bradesco Seguros e a Scopus. “Fizemos o primeiro exercício e depois percebemos que poderíamos dar um passo maior”, diz Jean Philippe Leroy, diretor departamental de relações com o mercado do Bradesco. Em junho, a instituição obteve a certificação ISO 14 064, uma garantia de que o banco tem processos precisos para quantificar e monitorar suas emissões. O selo também exige que o banco as reduza — neste ano, a meta de corte é 3,5%.
Para alcançar o objetivo, Leroy conta com a ajuda de um time de 16 funcionários de diferentes áreas do grupo, cada um responsável por encontrar oportunidades de melhoria para uma fonte de emissão (tais como viagens de avião, consumo de energia etc.).
Se reduzir a própria emissão é tarefa difícil, incluir os fornecedores nesse processo é um desafio ainda mais complexo. Mesmo assim, no ano passado a Natura anunciou um plano para neutralizar as emissões em toda a sua cadeia produtiva. Com iniciativas como incentivo ao uso de refil e substituição de matérias-primas, a companhia conseguiu diminuir suas emissões em 7%. Neste ano, a redução deverá contar com a ajuda de uma mudança recente que, de início, soou como um contra-senso: a volta do uso do papel cuchê, em vez do reciclado, nos 2 milhões de catálogos de produtos distribuídos às consultoras a cada 21 dias. A adoção do cuchê, que vem de florestas plantadas e tem o selo verde FSC, gerou uma redução de cerca de 60 páginas no livreto — já que sua qualidade permite a impressão das imagens dos produtos em tamanho menor. Com isso, a empresa não só economizará 3 500 toneladas de papel por ano como deixará de jogar na atmosfera 4 500 toneladas de carbono.
Atrás da soma zero
Os passos que uma empresa deve trilhar para neutralizar as próprias emissões de gases causadores do efeito estufa
1 – Cálculo
No Brasil, ao contrário do que acontece na Europa, as empresas não são obrigadas a reduzir emissões. Assim, cabe a cada uma defi nir o que quer compensar — do consumo de energia de uma fábrica às emissões de frotas de veículos. O Bradesco, por exemplo, considerou apenas as emissões da sede e da frota de veículos em seu primeiro inventário, em 2006. Há cerca de 15 consultorias especializadas nesse cálculo no país.
2 – Validação
Feitas as contas, o ideal é que a empresa contrate uma auditoria. No Brasil, esse trabalho pode ser feito por diversas certifi cadoras, como a brasileira Vanzolini e a européia Det Norske Veritas (DNV).
3 – Redução
Uma vez ciente do volume de carbono que gera, a empresa deve traçar um plano para reduzir as emissões. Aqui entram as ações de ecoefi ciência. A Natura, por exemplo, alterou a fórmula de seus produtos para que eles usem menos substâncias de origem fóssil. Já o Bradesco trocou, de 2006 para 2007, toda a sua frota de veículos. Hoje, com exceção dos carros blindados, todos rodam movidos a etanol.
4 – Compensação
Como nenhuma empresa consegue zerar suas emissões, a saída é compensar o que não pôde ser eliminado. Para isso, vale recuperar fl orestas degradadas, fi nanciar projetos de energia limpa ou comprar créditos de carbono. A Natura, por exemplo, fi nancia a troca de combustível de origem fóssil por biomassa em uma empresa têxtil. O Bradesco plantou, no ano passado, 38 000 árvores para compensar as emissões de sua sede em 2006.
Mesmo com todos esses esforços, os executivos da Natura sabem que jamais será possível eliminar totalmente suas emissões. A meta da companhia é reduzilas em 33% até 2011 — e compensar os 67% restantes por meio de financiamento de projetos de reflorestamento e de produção de energia limpa. Este é um caminho comum a todas as empresas que pretendem ser “carbono neutro”: reduzir ao máximo as próprias emissões e, no que for impossível, encontrar projetos que valham compensações. No final de 2007, a Natura fez um edital para escolher projetos verdes que precisassem de investimento. Um dos vencedores foi a AMC Têxtil, que receberá dinheiro para adaptar sua operação ao uso de biomassa no lugar do atual combustível fóssil (o valor do projeto não é revelado). Para especialistas, é importante que, antes de embarcar em programas de compensação, as empresas façam a lição de casa — a exemplo do que aconteceu com a Natura e o Bradesco. “Muitas empresas entraram de maneira cega na onda do plantio de árvores sem antes se preocupar em diminuir suas próprias emissões”, diz o consultor Giovanni Barontini, coordenador da filial brasileira do Carbon Disclosure Project, iniciativa internacional criada por investidores institucionais para incentivar as empresas a divulgar informações sobre suas políticas relacionadas às mudanças climáticas. “Pular essa etapa é mais fácil para as empresas, mas não ajuda a resolver, de fato, os problemas ambientais.”
Fonte: http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0927/gestaoepessoas/m0167878.html